Aqui, segue a terceira e última parte do 'A Revolução de 89'. Eu já havia postado, juntamente com as demais, mas aí está a versão revisada.
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Quanto ao destino da revolução que eu planejara, os fatos desviaram-se
das diretrizes traçadas. Se o movimento tivera um idealizador, ele terminou
encontrando um líder não planejado. Enquanto a diretora ocupava-se de retirar o
general deposto do pátio e levá-lo para casa, os professores pareciam mais
curiosos para ver o desenlace daquele evento inusitado, que ansiosos por
restaurar qualquer tipo de disciplina. Já eu, à espera do momento mais oportuno
de entrar em cena, não percebi que a cena contara com outro oportunista desde o
primeiro minuto.
— Amigos! Amigos! – bradei. Ouçam! Ouçam! Não precisamos mais de um general
inútil! Mas isso não significa que não precisamos mais de um líder! Precisamos
de um líder útil!
O silêncio se fez. Prossegui:
— Se o general desceu, que suba o novo general!
— E quem seria esse novo general?! – perguntou Gabinho.
— O coronel! – gritou uma voz não identificada, seguindo-lhe o clamor de
todo o pátio:
— Viva o coronel! Viva o coronel! Agora o general! Agora o general!
Foi então que minha sorte começou a mudar. Gabinho subiu os degraus da biblioteca
e lançou os colegas contra mim:
— Mas o coronel não era o vice do general?!
— E o que isso tem a ver? – alguém indagou.
— Se o general não fez nada, o que fez o coronel?! Nada vezes nada! São
todos iguais!
Ainda tentei salvar minha patente:
— Amigos! Amigos! Não ouçam o que ele diz! Não fiz nada porque ele, o
general, não permitia!
— E o que você faria se ele permitisse? – alguém perguntou.
— Eu... bem...
— Ouviram?! Nada! – sentenciou Gabinho.
E uma onda de vaias banhou o ambiente. Era estonteante. E selou o
insucesso dos meus planos de poder. Tão ingênuos os planos, quanto inútil
aquele poder. Mesmo assim, o poder! Outro ovo atravessou as cabeças e acertou
em cheio, daquela vez, o meu rosto. Naquele instante, Gabinho bradou:
— Viva a democracia!
— Viva! – vibrou a escola em peso.
— Abaixo as patentes!
— Abaixo as patentes! Abaixo as patentes! Abaixo as patentes! Abaixo as
patentes! – e, repetindo o refrão revolucionário, aos berros, a multidão
empurrou-me para fora do pátio enquanto erguia Gabinho no ar, aclamando-o como seu
novo líder.
Fui socorrido por um dos professores, enquanto os demais tentavam conter
o alunado, temerosos de que a revolução se transformasse em uma omelete. Levado
para casa, só retornei à escola uma semana depois, para fazer as provas
conclusivas do bimestre. Soube por Alan que, no dia seguinte ao tumulto,
Gabinho organizara eleições para a nova liderança e os colegas o haviam elegido
prefeito. Também se havia criado uma Câmara de Vereadores, com três membros, e
o próprio Alan fora escolhido seu presidente. Enfim, os alunos estavam
satisfeitos com a democracia, embora mal soubessem do que se tratava. O ex-general
e eu voltamos a nos encontrar durante as provas. Não nos cumprimentamos; porém,
no último dia de aula, ele me procurou.
— Jaquinho, vou sair da escola. No próximo semestre, vou estudar nas
Damas. Meus pais conseguiram uma vaga e eu tenho que aproveitar a chance,
pensando no vestibular. – era a mesma voz fleumática de sempre.
Um, dois, três segundos de silêncio e:
— Vamos lá. Deixe de bobagem. Não tenho ressentimentos. Afinal, aquela
estória das patentes era uma piada sem sentido.
Sorri. Sorrimos.
— Agora, a piada é outra... – emendei.
— E nós estamos crescendo. Para tratar de coisas mais sérias. – ele
completou.
Trocamos um aperto de mão, depois um abraço e nunca mais voltamos a nos
ver.
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