
Naquela luz amarela da manhã, perguntei a ela qual a música mais tocada na rádio. Sob os cabelos claros caindo em seu rosto, pude ver o branco dos seus dentes, a língua doce. A voz cheia de ternura disse: “Não sei.”
Estávamos no ponto de ônibus. Seu rosto demonstrava um contraste com o dia claro. Não havia o que dizer, as coisas estavam no ar. A partida era inevitável. Nossa despedida não foi calorosa, não do jeito que pintam os livros. O ônibus me levaria para algum lugar distante, longe de qualquer resquício do passado, ou até do presente. O futuro estava à espreita naquele ponto. Não poderia olhar para os seus olhos castanhos, tão entupidos de humanidade. Ela está taciturna, mas sorri. O problema não está em seus olhos, seus globos oculares não mudam, são os músculos ao redor deles. Toco em seu ombro, magro, definido, os ossos sentem a minha carne, tento falar, ela me encara, as palavras saem, digo: “Te amo.”
“Como a música nasceu?” Ela pergunta.
“No rádio?”
Olho para o horizonte. Foi neste bairro que nos conhecemos. Em um supermercado. A melancolia em forma de cinza surge. Lembro-me ainda dela com suas compras, derrubando tudo, eu ajudando e exibindo o sorriso entupido de nicotina. Ela disse: “Quebrou o rádio.”
“As rádios não tocam nada de bom.”
“O meu toca.”
No carrinho dela havia máscaras gigantes de pandas. Pretos. Brancos. Marrons. Amarelos.
“Sua rádio toca música pra panda?”
“Trabalho em um instituto de crianças carentes.”
A conversa fluiu como uma cachoeira. Cada palavra foi colocada da maneira certa, suave, sem dor ou esforço. Éramos nós. Não importava as mesas do escritório, entupidas de trabalho a minha espera. O sol indo embora. Os produtos para anunciar. O mercado para monopolizar. A poluição e o ruído incessante dos humanos em nossos ouvidos. As compras alheias. O cheiro de comida. A fúria das famílias. As cidades prestes a sumir.
O mundo poderia explodir naquele momento. Nada seria mais intenso do que o ritmo do meu coração.
Nada.
Os olhos dela sorriram, minhas mãos gargalharam.
Neste dia brincamos pelas ruas com as máscaras de panda. Tão leve tão natural. Correndo e pulando com aquela máscara enorme. Ela entrou no carrinho de compras, e na rua longa e cheia de verde e natureza, nós ouvimos o som do amor que brotava. Eu disse: “Qual é a música mais tocada na rádio?”
“Smell Like Teen Spirit.”
“Nirvana?”
“Isso. Amo essa música.”
“Somos dois.”
O som caía, a paixão subia. Ereta, firme. Algumas semanas depois, concretizamos os nossos sentimentos através de suor e sussurros na madrugada.
Nosso amor foi embalado por Cobain.
Noite após noite, você desligava as luzes. Nunca conseguia dormir. Sempre presa ao rádio. Eu me perguntava: "Será que… Será que nós terminamos?”
O rádio sempre ligado.
Você, sempre sobrecarregada de emoções. Por trás da fumaça do meu cigarro, via suas verdades. Tomada por visões, prisioneira dos seus instintos bondosos. O problema poderia ser meu, sempre rude, sincero, insano. Poderia.
Quando a música nasceu, despregou-se do meu coração e foi, como uma flecha, direto ao seu. Nosso tempo livre é para libertar as nossas mentes ou cair em milhões de pedaços? O amor é caos e paz. O ponto de ônibus é o nosso castelo, ele tomba, violentamente, sob nossos corpos.
Neste momento, ela diz: “O amor dos pandas não é diferente do amor dos humanos.”
As lágrimas; consegui vê-las. Detalhadamente, escorrendo de forma ácida sob o rosto angelical do meu amor. Elas desciam e o ônibus chegava. Simultaneamente, em um ritmo só, eu puxo o braço magro, nossos lábios se encontram. O ônibus freia.
“Volte pra mim.” Ela diz.
Dentro do ônibus, ainda vejo a saudade. Dentro deste ônibus rumo a lugar nenhum. Uma trilha vazia, feita de gasolina infinita e pessoas com cheiro de mofo. Não sei quando este ônibus vai parar, não sei quantos anos irei passar pelas estradas deste mundo louco. Mas você é única.
Não há nada como você. Nada.
A música nasceu de pequenos momentos. Momentos feitos de fantasia. O amor dos pandas é diferente, querida. Ouça a melodia, o ritmo, acompanhe as notas. Somos únicos e inesquecíveis, assim como as músicas da rádio.
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