Pessoal, revisando o texto de 'A Revolução de 89', percebi alguns erros e fiz as correções necessárias. Peço a Bruno ou Félix a gentileza de fazer os acertos lá no blogue, caso a postagem de quinta (28/7) já esteja agendada.
A idéia surgiu no final do segundo bimestre. Antes das férias, a escola promoveria um evento sobre profissões e cada aluno teria que apresentar um trabalho sobre alguma delas. A maioria dos colegas levou duas ou três folhas de papel rabiscadas com alguma informação sobre o que é ser médico, advogado, engenheiro etc. Seguindo os conselhos que ouvira do meu pai, optei por tratar do jornalista e, como sempre tive certa atração pelo exemplo, bolei um jornal: o Diário do Pátio.
O Diário tinha quatro páginas. Na verdade, era uma imensa folha de papel, dobrada ao meio. Tudo muito improvisado, com notícias sobre o dia-a-dia na escola, algumas piadas e adivinhações para divertimento dos leitores e um artigo de opinião que eu conseguira arrancar da diretora. No alto da segunda página, meu pai me convencera a incluir um editorial, explicando-me que se tratava do posicionamento do jornal acerca de algum fato relevante para o público a que ele se destinava. Foi então que tive o estalo!
Não preciso explicar em detalhes por que meu trabalho chamou a atenção. Em meio a leituras monótonas de dissertações do tipo “o médico é o profissional que trabalha para salvar as vidas das pessoas” ou “ninguém pode vencer na vida sem a ajuda de um professor”, o jornal trouxe o viço da novidade e, quando os olhos caíram sobre o editorial, sobreveio o rebuliço. Foi Alan quem, para lá de ingênuo, meteu-se a ler em voz alta as primeiras palavras:
Para que um grupo precisa de um líder? Para ser seu representante! Para que o representante precisa existir? Para cuidar dos interesses do grupo! Para que serve um general no Instituto? Para ter uma patente, ganhar beijos de garotas bonitas na bochecha e... Nada mais! Então, para que o grupo de alunos do Instituto precisa de um general? Não precisamos de um general, mas de um líder!
Nesse instante, ele aproximou-se e puxou Alan pelo braço, interrompendo-lhe a leitura. Mas outra voz emergiu do pátio, continuando-a:
Precisamos de um líder que seja a voz dos alunos e reivindique melhorias das aulas à diretora! Precisamos de um líder que movimente a vida dos estudantes com atividades mais diversificadas! Precisamos de um líder que promova a integração entre o Instituto e os alunos de outras escolas! Enfim, precisamos de um líder que deixe de lado patentes antigas e conduza nosso grupo para o tempo da democracia!
O editorial ainda tinha mais umas cinco ou seis linhas; porém, ao fim do segundo parágrafo, ele já havia se transformado em manifesto. O burburinho começou a crescer, o clima de animosidade contra ele instalou-se e, com mais rapidez do que eu esperava, a revolução começou. Foi Gabinho, meu colega de classe, quem gritou:
— Abaixo o general!
No que foi seguido pela escola em peso:
— Abaixo o general!
Gabinho completou:
— E viva a democracia!
O alunado ecoou:
— Viva!
Então, ele tentou contornar a situação, subindo nos degraus de acesso à biblioteca e gritando para a multidão de colegas no pátio:
— Amigos! Amigos! Não entendo vocês! O que eu fiz de errado? Todos aqui reclamavam da falta de representantes de classe na escola e eu encontrei a solução. Vocês aceitaram que eu fosse o general! Por que essa revolta agora?! O que eu fiz?!
Seguiram-se instantes de silêncio absoluto.
— Estão vendo? Acalmem-se! Não entrem na onda de qualquer aproveitador! Eu não fiz nada! Nada que...
Então, Gabinho saltou do pátio para os degraus e, berrando mais alto que ele, atalhou-o:
— Exatamente! Ele não fez nada! O que ele fez até hoje além de ser o general e se achar o tal?! – uma onda de gargalhadas banhou o ambiente. Nada vezes nada! Um zero à esquerda! Então, abaixo o general!
E todos repetiam com entusiasmo:
— Abaixo o general!
Ao que Gabinho acrescia:
— E viva a democracia!
— Viva! – ouvia-se o eco.
Ele ainda tentou reassumir o controle da situação, contudo ninguém mais o escutava. A agitação se instalara e o conjunto das vozes em algazarra era ensurdecedor. Àquela altura, a diretora aparecera no pátio e já se informara do ocorrido. Ele tentou valer-se de seu apoio para acalmar os colegas e evitar que deixassem de reconhecê-lo como o general; contudo, ela permaneceu indiferente ao problema.
— Isso não me diz respeito. Essa tolice foi invenção de vocês! A mim, só interessa organizar essa bagunça!
Dizendo isso, a diretora ordenava aos berros que os alunos silenciassem e se pusessem em filas, por série, para retornar às salas de aula. Os professores vieram em sua ajuda. O esforço era vão. Ninguém obedecia a comando algum, apesar das ameaças de rebaixamento de nota e suspensão. Ele ainda recorreu à última tentativa de exercer sua liderança. Erguendo-se nos ombros dos dois ou três amigos fiéis que lhe restavam, esboçou no ar algum gesto de quem pedia atenção; mas um ovo acertou-lhe em cheio o nariz e ele foi levado às pressas – e aos prantos – para casa. Depois daquele dia, só retornou à escola para fazer as provas conclusivas do bimestre.