BLOG APENAS PARA ASSUNTOS IMPORTANTES DO CAIXA BAIXA, PARA EVITAR QUE OS INFORMES SE PERCAM NO MAR DE E-MAILS DO GRUPO.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

poema de jairo cézar

Saudade é labirinto
é perder-se Minotauro
e achar-se infinito

domingo, 22 de janeiro de 2012

A PORTA

a porta arde
nas estradas dos dedos
delira no fausto gemer de cálida flama
ao fechar arroubos de ódio
nos confins dos segredos.

a porta importa
seus fechos de arrogância
abrindo as membranas dos medos
no trancafiar-se nos olhos dos zelos.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Amor dos Pandas



Naquela luz amarela da manhã, perguntei a ela qual a música mais tocada na rádio. Sob os cabelos claros caindo em seu rosto, pude ver o branco dos seus dentes, a língua doce. A voz cheia de ternura disse: “Não sei.”

Estávamos no ponto de ônibus. Seu rosto demonstrava um contraste com o dia claro. Não havia o que dizer, as coisas estavam no ar. A partida era inevitável. Nossa despedida não foi calorosa, não do jeito que pintam os livros. O ônibus me levaria para algum lugar distante, longe de qualquer resquício do passado, ou até do presente. O futuro estava à espreita naquele ponto. Não poderia olhar para os seus olhos castanhos, tão entupidos de humanidade. Ela está taciturna, mas sorri. O problema não está em seus olhos, seus globos oculares não mudam, são os músculos ao redor deles. Toco em seu ombro, magro, definido, os ossos sentem a minha carne, tento falar, ela me encara, as palavras saem, digo: “Te amo.”

“Como a música nasceu?” Ela pergunta.

“No rádio?”

Olho para o horizonte. Foi neste bairro que nos conhecemos. Em um supermercado. A melancolia em forma de cinza surge. Lembro-me ainda dela com suas compras, derrubando tudo, eu ajudando e exibindo o sorriso entupido de nicotina. Ela disse: “Quebrou o rádio.”

“As rádios não tocam nada de bom.”

“O meu toca.”

No carrinho dela havia máscaras gigantes de pandas. Pretos. Brancos. Marrons. Amarelos.

“Sua rádio toca música pra panda?”

“Trabalho em um instituto de crianças carentes.”

A conversa fluiu como uma cachoeira. Cada palavra foi colocada da maneira certa, suave, sem dor ou esforço. Éramos nós. Não importava as mesas do escritório, entupidas de trabalho a minha espera. O sol indo embora. Os produtos para anunciar. O mercado para monopolizar. A poluição e o ruído incessante dos humanos em nossos ouvidos. As compras alheias. O cheiro de comida. A fúria das famílias. As cidades prestes a sumir.

O mundo poderia explodir naquele momento. Nada seria mais intenso do que o ritmo do meu coração.

Nada.

Os olhos dela sorriram, minhas mãos gargalharam.

Neste dia brincamos pelas ruas com as máscaras de panda. Tão leve tão natural. Correndo e pulando com aquela máscara enorme. Ela entrou no carrinho de compras, e na rua longa e cheia de verde e natureza, nós ouvimos o som do amor que brotava. Eu disse: “Qual é a música mais tocada na rádio?”

“Smell Like Teen Spirit.”

“Nirvana?”

“Isso. Amo essa música.”

“Somos dois.”

O som caía, a paixão subia. Ereta, firme. Algumas semanas depois, concretizamos os nossos sentimentos através de suor e sussurros na madrugada.

Nosso amor foi embalado por Cobain.

Noite após noite, você desligava as luzes. Nunca conseguia dormir. Sempre presa ao rádio. Eu me perguntava: "Será que… Será que nós terminamos?”

O rádio sempre ligado.

Você, sempre sobrecarregada de emoções. Por trás da fumaça do meu cigarro, via suas verdades. Tomada por visões, prisioneira dos seus instintos bondosos. O problema poderia ser meu, sempre rude, sincero, insano. Poderia.

Quando a música nasceu, despregou-se do meu coração e foi, como uma flecha, direto ao seu. Nosso tempo livre é para libertar as nossas mentes ou cair em milhões de pedaços? O amor é caos e paz. O ponto de ônibus é o nosso castelo, ele tomba, violentamente, sob nossos corpos.

Neste momento, ela diz: “O amor dos pandas não é diferente do amor dos humanos.”

As lágrimas; consegui vê-las. Detalhadamente, escorrendo de forma ácida sob o rosto angelical do meu amor. Elas desciam e o ônibus chegava. Simultaneamente, em um ritmo só, eu puxo o braço magro, nossos lábios se encontram. O ônibus freia.

“Volte pra mim.” Ela diz.

Dentro do ônibus, ainda vejo a saudade. Dentro deste ônibus rumo a lugar nenhum. Uma trilha vazia, feita de gasolina infinita e pessoas com cheiro de mofo. Não sei quando este ônibus vai parar, não sei quantos anos irei passar pelas estradas deste mundo louco. Mas você é única.

Não há nada como você. Nada.

A música nasceu de pequenos momentos. Momentos feitos de fantasia. O amor dos pandas é diferente, querida. Ouça a melodia, o ritmo, acompanhe as notas. Somos únicos e inesquecíveis, assim como as músicas da rádio.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

criação (Thiago)


Para Sérgio Castro Pinto


I


um sopro do espírito
que não vejo
sinto
baixar em meu peito
e animar
o pulso direito
entre a voz
e o ouvido voraz
sou o médium

quem sopra as narinas
do verbo
            é um deus
com hálito antigo
entretanto
seu bafo é incerto
tanto quanto
errante é seu rito

II

o homem assume
no penúltimo
            instante
conforma os sentidos
e dá nome
aos seres pulsantes
            entre o jato
            e o calco da tinta
            sigo o rastro

no sétimo dia
não existe
descanso
costela partida
perseguindo
as dores da lida
pelo gozo
da carne vibrante

III

o verso é criatura
inconstante
            as cores
emanam da pele
e caducam
a qualquer instante
a língua se banha
em reversos
distintos de antes

o poema é esfera
imperfeita
            que toca
a reta infinita
da matéria
em busca da forma
as letras recordam
a palavra
a ser repetida

IV

o espírito sopra
ondequando
            deseja
se o vento já esgota
a janela
dobrando a cortina
se fecha

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

ameaça de extinção

Carros bacanas cambaleiam nas avenidas do Cabo Branco enquanto o mar avança. Turistas caminham pelas feiras sorrindo artesanais suas novidades digitais. E o mar ainda avança a calçadinha com sua elegante tromba esverdeada de peixes e sargaço e o mormaço no asfalto causa vertigem em dias de verão. Descanso a cabeça nos joelhos, abraço o corpo inteiro e romantismo é coisa de soneto. Esfarrapada à farpa forçada, vislumbro o pássaro aninhado no telhado de casa. Mentiras abobalhadas transitam pela voz gasta de falar ao telefone. Nada se cumpre. Ele disse que viria. Mas não veio. Ainda inventou uma dor no olho. Tento outro número: Eu liguei errado. Meu telefone é uma bagunça. Mas fala. Já que te liguei, conta as novas. E a linha estica de conversa furada de estar bem, de estar fazendo sucesso, de ter dinheiro, trabalho, costume e santo padroeiro. 11 da noite e nenhuma alma penada narra história para boi dormir. Lavei meu pijama de flanela de imensas margaridas estampado. Eu não entendo as pessoas e ainda considero belo O ANUNCIAR DAS ILUSÕES. Você vai mesmo contar seus dramas ao telefone? Posso chegar aí em cinco minutos. Muito tempo. Em cinco minutos meu sol se põe, a lua tomba e eu desmonto feito jogo de xadrez. Boa noite, então. Desliguei e tomei meio copo de tédio, tomei vergonha e tomei no dito popular mais sacana. Ando fustigada e caio empacada no crivo do cravo do treco encrencado. Ligo de novo. Ocupado. Outra romaria de catar caco de cara que não ocupa canto no meu caçar. Alô. Um amigo me salva. Conta teu motivo que eu conto o meu. Deixa só eu pegar meus cigarros que a história é longa. Fumamos fumaça inflando fabulosas farsas. Então foi dor no olho? Isso não é desculpa. Já parou para pensar que é tudo culpa sua? Culpa é carga máxima para o meu paladar. Mas já pensei, penei e até bolei um dicionário de desculpas para ver se caio em minha própria arapuca. Sua ingenuidade não tem cura, ele diz. Sensacional sabedoria sua que me sacia. Se eu fosse outro você sabe o que faria? Sei. Você chegaria em cinco minutos, antes do sol tombar e a lua do céu se expulsar. Muito poético. Meu amigo implica que sou cria de crendice antiga. Ele me chama de menina. Me manda dormir. Fecha os olhos, conta carneiros e descansa dessa ânsia de aflição fajuta. Saia à rebordosa e sofra calada ou sofra nada. Eu dito frase citada para causar impacto. Meu amigo impaciente diz que não suporta citação que é citada por toda cidade por banais bocas que bobeiam agitadas pelo vento. Quanto você bebeu? Nada. Então é porre de quê? De mim. Da chuva. Do livro que ainda não li. Do cúmulo que cultuo sem motivo algum. E foram duas horas de conversa, alguns cigarros fumados pela metade, banho tomado às cinco da manhã e o sol nascente dizendo acorda que é hora de outra romaria. E virão certeiros outro primeiro vigésimo orgasmo, outro caminho e atalho e, apaixonado, virá outro ducentésimo quadragésimo sexto primeiro amor. E, enquanto a vida vaga continuada, as casas do Cabo Branco permanecem intactas, mortas de medo, ameaçadas de extinção.