Por Bruno R. R. Santos
“And either way you turn
I'll be there
Open up your skull
I'll be there
Climbing up the walls”
Radiohead, Climbing Up The Walls
Amor, você lembra o dia que cheirei seu cabelo, cê lembra? Eu passei por você naquele ônibus lotado, seus olhos nem repararam, mas eu cheirei que até tremi as pernas. Amor, não pense que é saudade, sei que você se mudou, sei que sua casa tem vigilância 24 horas e tem aqueles porteiros crioulos de 2 metros de altura, mas amor se liga: eu te amo, porra. Aquele dia em que estávamos na boate, nós dançamos ao som do Depeche e Moby, se liga nesse dia? Quando a lua brilhava tanto que o LSD fez a gente ver o Sinatra saltando na chuva fina. Não quero te ver assim, cheia de medo e nóia, saca? A verdade é que meu peito ainda dói quando me lembro daquela facada que a senhorita me deu, lembra? Doeu pra cacete, vagabunda.
Não quis te xingar.
Podemos ser amigos ainda.
Amigos até morrermos, o que acha?
Eu cuido da sua casa, da sua avó doente.
Do seu papagaio José.
Eu posso guardar a fechadura, vigiar o negão de 2 metros, afinal, confiar em negro é demais.
Posso pentear seus cabelos enquanto você tira aquele cochilo depois do almoço.
Não importa aonde você vá, céu ou inferno, Babel ou Atlântica. Eu estarei lá. Vigiando seu corpo bronzeado, aparando os pelos escuros, alisando sua mão sem sequer tocar na pele. Não importa a vigilância, eu tenho todas as chaves do mundo em mãos. Não importa os muros, se preciso meus dedos escalam o Monte Everest. Não importa o alarme, sou rápido como um puma, sagaz como a hiena. Não adianta pedir para a polícia passar pela vizinhança, não adianta pedir para o seu melhor amigo gay dormir com você, não adianta ter um Pit Bull com nome de Dentinho, não adianta dormir armada com a faca de cortar carne, não adianta ter o sono leve, não adianta se mudar para outro país, não adianta olhar para os lados enquanto vai fazer as compras do mês, não adianta trocar a fechadura todo dia, não adianta ter insônia, não adianta.
Só quero ser seu amigo agora, não entende?
Você não me conhece direito, mas eu sei quem é você. Eu anoto seus passos no meu caderno, eu te persigo desde que você nasceu. Quando eu tentei te beijar, sem maldade alguma, só para você experimentar o chiclete que eu estava mastigando, você quebrou meu nariz, sua puta. Quando entrei na sua casa antiga, eu só queria um café, nada demais, conversar sobre o mestrado em comunicação que você estava para fazer, sobre sua mãe doente, só conversar.
Daí você enfia a faca no meu peito.
Olha, assim fica complicado.
Estou tentando ser racional, sabe?
Na terceira e quarta vez você também não foi sensata. Os polícias também não foram.
Mas estou livre, já tenho tudo o que preciso para velar seu sono. Sua casa nova é linda. Esse país é perfeito. Você hein, sempre com um bom gosto admirável.
Podemos ser amigos, certo? Sem violência dessa vez, sua escrota.
Só aprenda uma coisa, sua cabeça é minha. Vou martelar ela com minha presença até o fim dos nossos corpos, quando estiveres enterrada, estarei lá, chupando as minhocas e vermes do seu couro cabeludo necrosado.
Não adianta virar para esquerda ou direita, não importa a direção, eu estarei lá. Abrindo seus órgãos, chupando sua vida, olhando dentro de ti e gritando que você é minha. Mastigando cada célula, cada partícula, cada doença.
Amigos para sempre.
Estou do seu lado, não está vendo, bela adormecida? Seu sono inquieto, aterrorizante. Provavelmente tendo um pesadelo. Tão linda com esses cachos caindo nos ombros nus.
Tão linda roncando.
Sem facas agora, baby.
Acho que fiz algum barulho, seus olhos estão se abrindo.
Perfeito.
“Que saudade. Pensei que não se lembraria mais de mim.”
Sua expressão de medo nunca mudou.
Tu és a mesma menininha que se assustava com os sons do bicho papão na infância.