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sexta-feira, 23 de março de 2012

MELHOR AMIGO

sem ter vocação pra feliz – anjo torto
que eu sou – invejo sua vida sem dolo
eis a se espojar no poeirento solo
sob um sol sertão girando absorto

chafurda no chão o rosto e ao arrastá-lo
capota e de pé rala o rabo e parte
num pique sem rumo e retornado ao porto
deita arreganhado pra ser meu regalo

sempre me emociono quando vejo a cena
se levanta de súbito me vê e dispara
com a língua de fora num riso anti-hiena

chega abanando a branca bandeira
o afago e ele me beija de cinema
e o desprezo apesar de amá-lo à vera


PIOR INIMIGO

sem ter vocação pra tristeza – santo
de rua que eu sou – ao mirá-lo o admiro
eis equilibrado em cima do muro
cismado de todos e pra ninguém seu pranto

andando altivo como se o duro
do tijolo seus pés não tocassem quanto
malemolentemente um modelo e tanto
seu passeio me fisga e fico em apuros

elástico salta e pousa e lento ruma
de olho em mim e passa a se esfregar
pelas minhas pernas o pequeno puma

sem olhar pra trás junto ao sofá
se deita lambendo suas patas sem plumas
e de longe o respeito a despeito de o odiar


DOMESTIQUASE

que o cão não me ouça
mas lobo prefiro o gato
meu amigo da onça

quinta-feira, 15 de março de 2012

muito romântico #2

Se você estivesse aqui, hoje, sentado ao meu lado, eu confessaria na frente de toda essa gente a pior das minhas verdades: nunca me canso de poemas de amor. Você gargalharia alto. Você sempre gargalha alto. Entre sorrisos, me perguntaria porque nunca me canso dos poemas de amor. O amor, você diz, é por si só exaustivo, não precisa que a literatura lhe pise nos ombros. Eu desviaria o olhar por um momento ao fundo da platéia. Depois te encararia e diria: acontece que, para amar, são necessárias duas coisas. A primeira delas é a incerteza. Sem a incerteza, não haveria saudade. Sem saudade, não haveria música. E qual o sentido do amor sem a música? Falo da incerteza que ataca a todos, ao menos uma vez na vida, lá pelas três da manhã. A incerteza do homem de negócios, do vendedor de peixes, do estudante secundarista, da dona de casa, do apresentador de TV. É a incerteza impressa nas canções de Roberto Carlos que a sua vizinha insiste em cantar todo domingo de manhã. A incerteza do sentimento do outro. A segunda delas é a beleza. Ah, a beleza. Não aquela beleza greco-romana, aquela beleza olhai-os-lírios-do-campo, essa beleza não interessa a quase nenhum sentimento. Também não é aquela beleza engarrafada de prateleira de supermercado, a beleza de 1,99 também os interessa pouco. Me refiro a uma beleza mais pé descalço, uma beleza mais cabelo assanhado, mais Gal Costa, mesmo. A beleza vem dar molde ao que não tem nome no amor pelo outro. Por isso que um casal é quase-sempre formado por duas pessoas: numa delas sempre reside uma carga maior de incerteza e na outra uma carga maior de beleza. Não existe o amor perfeito. Não existe em pessoa alguma carga equilibrada de incerteza e beleza. O único ser vivo capaz de segurar essas duas grandes forças é o poema. Assim sendo, meu amor, como eu poderia me cansar deles? Você, nesse momento, seria só espanto. Só olhos arregalados. Depois de respirar profundamente, me indagaria, num misto de pergunta e afirmação: isso aí que você acabou de me dizer, isso aí é um poema de amor. Eu, igualmente surpreso, diria: É? Talvez. Não sei. Acabei de fazer.

quarta-feira, 14 de março de 2012

salmo de jairo cézar

Salmo para Deise

para Deise Cristina

os olhos de Deise são dois deuses,
duas imagens a redimir pecados.

os lábios de Deise são dois versos,
um lírico, outro épico.

os seios de Deise são duas dunas,
duas luas a sorrir dos homens.

o ventre de Deise é o jardim suspenso da babilônia
e lá, entre  colunas de mármore,
 repousa a oitava maravilha do mundo.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Calvário


Seu rastro de culpa
Corrente pesada para o inferno
Já é um fardo o querer
Arrepende-se de mim.

No calvário
A lápide incrustada
Denuncia seu pecado
não te livro de todos os males.

Fui seu crime com fortes evidências
Sem carrasco nem inquisidor
Sou uma santa esperando milagres.

sábado, 3 de março de 2012

POEMAS "MENORES"

OS ANJOS DE AUGUSTO
Para Jairo Cézar

Embaixo do tamarindo
escuto o hálito das harpas
chupando a cana do assombro.

CARPINEJAR
nas solas do sol
assolo as sombras.

AS PEDRAS DA LUA
não confio na lua
ela vive a jogar pedras
nos meus ouvidos.