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terça-feira, 24 de julho de 2012

Seu Lea



Para Antônio Lia Fook, meu avô materno


Era um homem alto e magro. Suas orelhas, largas. Seus olhos, estreitos. Marchava pela rua a passos firmes e rápidos; entretanto, a coluna meio curvada denunciava tensão. Ora a cabeça se refugiava nos pés, ora se aventurava no entorno. A certa altura, deteve-se na calçada, esquecendo-se da multidão que o atravessava em todas as direções, e fixou o olhar em um letreiro do outro lado da rua. Seus lábios se moveram, seus olhos se apertaram ainda mais. A testa franzida entendia, não entendia, mal entendia; enfim, sondou em volta de si e levou as mãos às orelhas, aturdido, tapando-as com força. Uma mão aproximou-se, estendida. Ele respondeu com um áspero gesto de dispensa. Recompôs-se e retomou o rumo, sem tirar os olhos dos pés outra vez. Ia balbuciando algo. Dali a poucos minutos, cruzou o portal da estação e estancou diante de um guichê. Do outro lado do balcão, uma voz grunhiu qualquer cumprimento. Fizeram-se um, dois, três, quatro, cinco segundos de silêncio. A voz aprumou-se na cadeira e ressoou a plenos pulmões:
— Então, o que deseja?
Os olhos procuraram algo nas letras iluminadas acima do vidro que os separava da voz. Os lábios se moveram frouxamente, emitindo algum som débil.
— Recife?! O senhor já está em Recife! Para onde deseja ir?! – a voz tornou-se impaciente.
Os lábios continuaram o movimento, novamente interrompido por uma bronca:
— Pará?! Não vendemos passagens para o Pará, senhor!
As mãos suplicaram paciência e vasculharam o bolso do paletó. A fila começava a formar-se atrás de si. Ele puxou um pedaço de papel amassado, desdobrou-o e, após passar os olhos no que estava escrito, estendeu-o à voz potente do outro lado.
— Ah, bom! Para quando?!
O dedo indicador pousou sobre um ponto específico do papel, onde o vendedor pôde ler algo como “domingo manhã”, grafado em letras hesitantes. Os lábios voltaram a bafejar algo pela última vez, ajudados pelas mãos que estiraram seis dedos contra o vidro.
— Seis passagens?
O homem meneou a cabeça em sinal de aprovação. Um sorriso aliviado e tímido insinuou-se nos cantos da boca.
— O salvo-conduto! O senhor é estrangeiro, não é?! O salvo-conduto!
As mãos mergulharam de novo no bolso do paletó e voltaram à tona com outro pedaço de papel, que não estava amassado, mas fora dobrado em quatro partes. O homem estendeu o documento ao outro, que o puxou com violência e fez algum esforço para soletrar o nome escrito:
— Lé-a… Fó-ók… Shi-am… É assim?!
O homem alto e magro aprumou-se sobre os pés. Suas orelhas, largas, pareceram estreitar-se. Seus olhos, estreitos, pareceram alargar-se. Finalmente, pronunciou algo semelhante ao que ouvira, mas os sons que saíram de sua boca não coincidiram com a leitura exata do vendedor. Os dois silenciaram por um instante. O outro decidiu-se:
— Bem, vale o que está escrito!
Uma, duas, três, quatro, cinco, seis carimbadas. O homem lançou sobre o balcão um maço de notas sujas e envelhecidas, que o vendedor organizou e contou a contragosto.
— Suas passagens, seu troco. Próximo!
O homem recolheu com as mãos, em formato de concha, o emaranhado de papéis que o outro lhe entregara. Deu a volta e caminhou em direção ao mesmo portal por onde entrara. Já no batente externo, ouviu o tilintar de três moedas que escorreram entre seus dedos e tombaram no chão. Deteve-se. Segurou com firmeza as passagens nas pontas de dois dedos e, fazendo da palma uma banqueta, organizou as cédulas, guardou-as no bolso. Em seguida, ajoelhou-se em direção às moedas e, enquanto as catava, olhou de volta para as mãos. Revistou-as, e também ao bolso. Estremeceu. Ergueu-se e olhou em volta de si. Sua face exibia o desespero. Então, virou-se para o interior do edifício e viu o guichê onde fora atendido. Retornou a passos largos. Fez algum gesto de licença à pessoa da vez e bateu com força o vidro. Traçou um quadrilátero no ar com os dedos indicadores. Ouviu a mesma voz vigorosa e impaciente de poucos minutos anteriores:
— Ah, aí está! Tome!
Curvou-se e sorriu levemente. Já na rua, deteve-se. Estendeu contra a luz o documento, antes de tornar a dobrá-lo em quatro partes. Viu sua própria foto colada no canto superior direito. Acariciou o rosto. Passou a vista sobre as letras, enquanto movia os lábios sem emitir qualquer som. Finalmente, soletrou:
— Lé-a... Fó-ók... Shi-am? Hummm! – e sacudiu horizontalmente a cabeça. 

(continua na próxima postagem do autor)

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